A palavra do momento no mundo dos negócios é a tal da “Tração”, que, resumidamente, significa que o seu negócio deve vender ou gerar cadastros em um volume X, Y ou Z para comprovar a tese de que ele deveria existir e, por consequência, conquistar o investimento dos capitalistas de risco. Eu não sou um capitalista de risco. Sou apenas um empreendedor que teve a sorte de descobrir cedo o que ama fazer da vida e que, por isso, nunca teve no dinheiro ou na tração seu principal objetivo. Portanto, já adianto, este artigo pretende ser uma opinião old school sobre o fato de que a “tração” pode também ser o veneno do empreendedor.
Me digam se estou errado na minha percepção de como funciona a lógica dos novos negócios nos tempos da internet:
1. O empreendedor tem uma idéia e busca capital de risco early stage.
2. O capitalista de risco coloca dinheiro no negócio e condiciona novas rodadas de financiamento a determinada quantidade de faturamento ou cadastros, independente da lucratividade e da criação de valor para além da financeira.
3. O empreendedor faz acontecer, consegue o dinheiro e vai sendo diluído em sua participação societária a cada nova rodada.
4. No final das séries A,B,C,D,E,F, G (e assim por diante), o empreendedor já quase não tem participação no negócio e a única coisa que ele aprendeu a fazer na vida foi “gerar tração.”. Só que neste momento o capitalista de risco precisa começar a “retornar o seu investimento”, ou seja, precisa que o negócio dê lucro.
5. E, então, o capitalista de risco convida o empreendedor a sair e o substitui por um executivo de mercado que “fará a cia dar lucro”.
6. Neste momento o empreendedor “rei-da-tração” terá 0,0000000000001% do capital da cia e a deixará com quase nenhum centavo no bolso.
Estamos transformando gênios em crianças mimadas que só sabem viver da mesada do papai. Uma moçada que possui no próximo “round financeiro” o seu maior desafio empreendedor, quando poderiam estar gastando o mesmo tempo para aprender sobre como serem adultos e independentes. É crescente a quantidade de jovens empreendedores que me procuram em busca de financiamento ou mentoria. Quase todos geniais, recém saídos da faculdade e buscando milhões de reais. O objetivo? 100, 200, 300, 1000 lojas! Isso sem que nunca tenham vendido sequer um clips.
Quando começamos a Reserva nós não queríamos ser uma cadeia varejista. Queríamos apenas abrir uma loja, pequenina, linda e que carregasse na quantidade máxima de detalhes os valores que para nós eram relevantes. Pessoas, Arquitetura, Visual Merchandising, Atendimento, Marketing, Preço, Aroma, Música e etc. A loja deveria ser uma orquestra, cuja sinfonia seria a cultura Reserva. Levantamos aquela lojinha, de 33m², com capital suado e próprio, conquistado através de 2 anos de trabalho árduo, vendendo para lojas multimarcas.
O empreendedorismo está perdendo a sua rebeldia. Nós queríamos ser independentes, donos dos nossos próprios narizes para poder falar e fazer o que quiséssemos, mesmo que para isso tivéssemos maior risco financeiro. Hoje o percebo como um vaidoso esporte no qual ganha aquele que construir o negócio “mais escalável” ou com “maior tração”. Ao invés de “O quão legal é o seu produto ou negócio?” a questão se tornou “O quão grande você pode ser?” ou “Em quanto tempo você pode crescer?”.
Se a Reserva nascesse hoje nos chamariam de perdedores, com certeza, porque queríamos ter apenas 1 loja ao invés de 100. Nosso sonho não seria o da experiência em escala e sim o da experiência única e individual. Olhando de trás para frente é facílimo concluir que quando se sonha com a quantidade dificilmente um dia se conseguirá a qualidade necessária para que ela aconteça ou se mantenha a longo prazo.
Se o conselho é bom o exemplo arrasta:
Abra a primeira loja, foque enlouquecidamente nela sem pensar na próxima, cuide das pessoas, dos processos e dos produtos, faça filas na porta para aí sim, partir para a segunda loja. E siga repetindo o processo :). De cliente em cliente, de loja em loja, caindo e levantando, mas sempre festejando. Trabalhando duro e sendo legais com as pessoas, sem saber que era impossível, os “perdedores” dos novos tempo fizeram: 70 lojas e 1500 multimarcas revendedoras. Tudo isso como consequência da loucura pela qualidade, não da quantidade!
A mídia, a faculdade e os VCs nos vendem o besteirol de que o sonho precisa ser grande! De empreendedor para empreendedor: Mentira! O sonho precisa ser bom! Porque quando ele é bom, com enorme probabilidade ele também será grande.
Levante e ande, porra!